Roberta Melo, liderança agroinspiradora: “Pujança do agro desperta nas mulheres o desejo de fazer parte desse contexto”

613

DA REDAÇÃO

QUAIS SUAS ORIGENS E COMO FOI A VIDA ATÉ O CASAMENTO?

Eu era filha de pais separados. Vivi com o meu pai até aos 12 anos de idade, na periferia de São Paulo. Ele era comerciante e tinha condições financeiras bem melhores que as de minha mãe, que era empregada doméstica. Por isso, minha mãe passou a nossa guarda para ele. Foi uma infância muito difícil, pois éramos cinco irmãos, todos menores de idade, criados por madrasta. Eu, particularmente, nasci em são Paulo, mas nunca gostei de lá. Uma certa feita, minha avó resolveu vir morar em Costa Machado, onde tenho propriedade hoje, isso no ano de 1988. Ali, estava iniciando uma nova história na minha vida. Eu me apaixonei por aquela pequena cidade. Eu me sentia num pedacinho do céu, pois a cidade é muito tranquila e não havia aquela violência de São Paulo. Logo em seguida, conheci meu marido. Namoramos durante dois anos, e aos 15 anos, já estava me casando e tendo minha primeira filha, Luma Melo, hoje, nutricionista; aos 20 anos, o meu segundo filho, Gustavo Melo, empresário do agronegócio; e aos 34 anos, o meu terceiro filho, Danilo Melo, hoje, com 13 anos de idade. Casar jovem foi uma missão muito difícil, mas necessária para o meu desenvolvimento humano. Hoje, sou muito grata a DEUS por tudo que enfrentei nesses longos trinta e dois anos de casada.

COMO FORAM SEUS ESTUDOS, ATÉ A FORMAÇÃO EM DIREITO E QUAIS ESPECIALIZAÇÕES?

Depois de ter tido meus três filhos, aos 37 anos resolvi cursar Direito. Parece até um pedido contraposto (risos). Geralmente, as pessoas estudam, vão para o mercado de trabalho, e depois, se casam e têm filhos. Eu fiz tudo ao contrário. Mas sabe que deu muito certo? Eu cheguei à faculdade com muita sede de vencer, mas não sabia o que estava por vir, porque também tive que enfrentar muitos desafios. Afinal, eu era uma mera dona de casa, totalmente do lar, e me vi dentro de uma universidade, cursando a faculdade de Direito, que era um sonho de menina. A menina se formou em 2017. Fiz pós-graduação em Direito Agrário em Porto Alegre/RS; faço MBA em Gestão do Agronegócio pela FGV, e estudo diariamente sobre marketing do agronegócio, que é a parte na qual eu mais gosto de atuar.

FALE MAIS SOBRE SUA HISTÓRIA COM O AGRONEGOCIO

Hoje, depois de formada, costumo dizer que a minha primeira profissão é produtora rural, porque foi lá na roça que tudo iniciou. Há trinta e dois anos, eu e meu esposo, Renato Melo, atuamos na produção de sementes de pastagem, e há quase dez anos, produzimos soja, milho, feno e criamos gado. Temos cinco atividades de produção, o que foi o divisor de águas em nossas vidas, pois começamos do zero, com a cara e a coragem. Como em todos os negócios, o  início foi muito difícil. Mas a vontade de vencer, a introdução de tecnologia, expertise na área e a força que o agronegócio tem no país, nos proporcionou um crescimento paulatino e muito satisfatório.

QUAL FOI O PRINCIPAL DESAFIO ENFRENTADO NA ÁREA DO AGRONEGÓCIO?

No início, a dificuldade era financeira, pois viver de uma empresa a céu aberto é muito

arriscado. Mas a cada ano, fomos entendendo os riscos e criamos estratégias de plantio

diversificado de variedades de sementes.

É UMA EXPERIÊNCIA GRATIFICANTE?

Com certeza, a experiência é muito gratificante. É um legado que estamos deixando para os nossos filhos.

COMO SURGIU SEU INTERESSE EM TRABALHAR COM O DIREITO AGRÁRIO?

Por meio de um curso de Direito Agrário que fiz na UNOESTE, um ano depois de formada. Procurei uma pós nessa área, e achei em Porto Alegre/RS, no instituto I-UMA. Foi uma experiência maravilhosa, porque nos cinco anos de Direito nunca ouvi nenhum professor falar a respeito desse ramo, matéria literalmente voltada às questões do agronegócio, que é a minha principal área de atuação.

COMO FOI A EXPERIÊNCIA COMO PRESIDENTE NACIONAL DAS MULHERES AGRARISTAS?

Foi maravilhosa! A melhor da minha vida, porque eu nunca havia trabalhado na área

corporativa antes. Mas como presidente de mais de 80 mulheres, sendo a maioria delas

advogadas e muitas com mais de dez anos de atuação, foi um aprendizado imensurável. Eu estava fazendo a pós, e nesse período, estive no maior evento de mulheres do agro no Brasil. Lá, percebi que havia palestras de tudo quanto é assunto, menos sobre Direito Agrário. Isso me chamou a atenção, porque o país é 100% agro, e temos pouquíssimos advogados atuando nessa área. Chamei o organizador do evento e disse a ele que ninguém falava para aquelas produtoras rurais os seus direitos e obrigações no Direito Agrário. A partir daí, o presidente da UBAU, Dr. Darcy Zibetti, pediu-me para que eu criasse a Comissão das Mulheres Agraristas da UBAU, comissão essa que hoje é um dos melhores grupos de mulheres proativas de Direito Agrário do Brasil.

COMO ESTÁ ESSE PROJETO DAS MULHERES DO AGRO NO OESTE PAULISTA?

Está bem no início. Porém, observo um crescimento considerável de mulheres querendo fazer parte desse grupo tão promissor.

——–

“OBSERVO UM CRESCIMENTO

CONSIDERÁVEL DE MULHERES

QUERENDO FAZER PARTE

DESSE GRUPO TÃO PROMISSOR”

——–

O QUE É O PROJETO GAIA E SEUS OBJETIVOS?

O projeto GAIA é um projeto que nasceu por meio da MBA de Gestão do Agronegócio que faço pela FGV. O Professor de marketing me convidou para fazer um projeto de marketing do agronegócio brasileiro. Topei na hora, mas, na turma, somente eu tive o interesse de fazer parte desse projeto. Vi que tenho uma aptidão muito forte para o marketing. Comecei a desenvolver pesquisas sobre as dificuldades do agronegócio brasileiro, e descobri um oceano de problemas, nos quais o maior é a comunicação assertiva no agronegócio, dentre outros, é claro! Dois anos de pandemia me fizeram entender que o mundo pode ficar sem fazer nada, exceto serviços essenciais, mas os demais setores produtivos que giram a economia pararam todos, menos o agro. Por ser produtora rural e viver do setor há mais de trinta anos, não tive dúvidas: o agronegócio dará um “bum” na economia do país. Porém, precisamos preparar nossa nação para olhar o setor com mais carinho, pois sabemos que o agricultor e pecuarista

desse país são demonizados por ONGs e ativistas ambientalistas por longos anos nas mídias e no mercado internacional. Então, senti a necessidade de fazer algo pelo meu país, criando um projeto que abrangesse todos os seguimentos da economia. Gaia é o nome simbólico da Deusa da Terra, aquela que cuida do globo terrestre. Nós, mulheres do agro, somos as Gaias do século XXI, pois estamos lutando pela sucessão familiar e pelo crescimento da atividade em família. O projeto apregoa o nacionalismo, patriotismo… A saber, hoje não somos mais o país do futebol e do Carnaval. Somos o país do agronegócio. Tudo parou, menos o agro. O projeto veio para unir forças e fomentar as cadeias produtivas no sentido de capacitação e conscientização da população em um todo. O mundo está de olhos muito grandes em nossas riquezas. Como iremos receber o mundo, se nem nós mesmos conhecemos tão bem o nosso potencial como produtores e detentores de tantas riquezas como os estrangeiros conhecem? Temos insegurança jurídica, falta de capacitação do setor, problemas sérios de comunicação dentre outros. Sei que não estou só nessa visão, porque existem vários setores e grupos que estão trabalhando nesse sentido. No entanto, o Brasil é muito grande e o trabalho é de formiguinha. Então, temos muito serviço pela frente. O lema do projeto é unir para prosperar. A cidade precisa compreender bem esse setor, para criarmos mecanismos estratégicos que faça o desenvolvimento econômico do Brasil ser de primeiro mundo. Não adianta nós, que atuamos tão bem no agronegócio, vermos nossos irmãos da zona urbana de uma forma tão desconexa da zona rural.

A PRESENÇA FEMININA NO AGRO VEM CRESCENDO? QUAL A IMPORTÂNCIA DESSE CRESCIMENTO?

Sim, vem crescendo e muito. A pujança do agronegócio tem despertado nas mulheres que atuam no agro, direta e indiretamente, o desejo de fazer parte de todo esse contexto de desenvolvimento e crescimento que permeiam a nossa sociedade. Afinal, o setor é promissor, e necessita de pessoas literalmente engajadas e que desenvolvam mecanismos estratégicos socioeconômicos no que tange inovação e tecnologia. As mulheres estão se destacando, embora ainda exista muito machismo, mas que não estão impedindo o crescimento das mulheres, e essas chegarem aonde elas quiserem. A exemplo disso, temos a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que é um exemplo clássico para todas nós, mulheres. Até porque nós, mulheres, somamos mais de 53% da população brasileira. O perfil das mulheres que atuam no agronegócio brasileiro é de escolaridade alta e independência financeira. 55% acessam a internet todos os dias; 60% tem curso superior; e 80% se consideram independentes financeiramente. As mulheres estão se destacando, porque no quesito capacitação, não estão deixando a desejar, não. A agricultura é a área na qual tem uma presença considerável de mulheres, com 42% de participação. As principais culturas são: soja, milho e hortifrúti. Depois, vem, em segundo lugar, a pecuária, com 25% de participação das mulheres. Em seguida, vem a agropecuária, com 20%, e a agroindústria, com 13%. Além disso,

23% das famílias brasileiras ligadas ao agronegócio apresentam liderança feminina, conforme dados do MDA. Em relação ao agronegócio, 27% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. Os desafios são iguais, tanto para os homens quanto para as mulheres. Basta cada um cortar a fatia do bolo na medida de sua capacidade! O campo é vasto! Problemas temos vários. Mas resolvê-los é nossa obrigação, independente de sermos homens ou mulheres! Unir forças é a palavra-chave.

———–

“JUNTAS, SOMOS

MAIS FORTES”

———–

QUAIS CARACTERÍSTICAS FEMININAS SE DESTACAM NO MERCADO E ACABAM GERANDO BENEFÍCIOS AO AGRO?

Eu creio que a proatividade é uma das características nas quais as mulheres se destacam muito no agronegócio. Principalmente, quando trabalham em grupos como esse que criei na região: Mulheres do Agro do Oeste Paulista. Juntas, somos mais fortes. Criamos, desenvolvemos e isso fortalece  o setor de uma forma muito positiva, a exemplo da Comissão das Mulheres Agraristas da UBAU, a qual presidi por dois anos. Quantas ações desenvolvemos juntas! Posso garantir: é sucesso na certa!

O QUE PODE SER FEITO PARA MELHORAR A PRESENÇA FEMININA NO AGRO?

Trazer mulheres desmotivadas, sem perspectivas de crescimento e desenvolvimento pessoal, para fazerem parte das ações criadas por mulheres que agregam valor no setor.

Gostaria de enviar uma mensagem de incentivo às mulheres do agronegócio?

Sim! A mensagem que deixo para todas as mulheres do Brasil, independente de ser do agro ou não, é: saiam da zona de conforto e vocês irão encontrar dentro de si mesmas, uma força e determinação que o conforto de nossos lares não pode alcançar. A decisão de sermos e termos algo na vida, depende única, e exclusivamente, de nós mesmas.

—-

“O BRASIL É

O MELHOR

PAÍS DO MUNDO”

——

COMO A SENHORA AVALIA O FUTURO DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO E O PAPEL DA MULHER NESSE CONTEXTO?

Eu sou totalmente suspeita para fazer essa avaliação, por ser extremamente apaixonada pelo meu país e acreditar muito no seu potencial. O Brasil tem tudo o que o mundo precisa. Em 2018, foi descoberto pela NASA que a terra tem 60% de terras agricultáveis no mundo, e que 40% dessas terras, estão aqui no Brasil. Deu para entender o porquê da necessidade de capacitação e desenvolvimento pessoal da população brasileira que ainda está bem desprovida de conhecimento do nosso real agronegócio? Eu vejo o Brasil como um país emergente em tempos de crise mundial, e por essa razão, a responsabilidade produtiva é muito grande. E isso se dá pelo simples fato de exportar mais de 100 produtos diversos para mais de 171 países, ultrapassando, agora, mais de 200. Se o Brasil for bem administrado pelo setor público e privado, de forma que haja políticas agrícolas que garantam a segurança jurídica e a liberdade econômica de forma ordeira, com certeza, teremos uma explosão eminente em nossa economia. O crescimento e o desenvolvimento tecnológico do agro oferecerão milhares de

empregos em vários seguimentos. Dizer que será a terceira maior economia do mundo, não é utopia. É fato! Na verdade, o Brasil é o melhor país do mundo. Temos tudo. Por exemplo: 10% da agua potável do mundo estão aqui. Temos terras produtivas em grande escala. Somos um país tropical, abençoado por Deus. A nossa fauna, flora e biomas são invejáveis. Quero finalizar dizendo: ame essa pátria amada Brasil com todas as suas forças! Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!

(FOTOS: ELAINE DEL BIANCHI)