
SINOMAR CALMONA
Imagine um Brasil ainda envolto em trajes imperiais, ruas de paralelepípedo e carroças puxadas a cavalo. Um país onde a escravidão ainda era lei e onde a industrialização era, no máximo, um boato vindo do outro lado do Atlântico. Agora imagine um homem que, nesse cenário, já sonhava com ferrovias, bancos internacionais, estaleiros e iluminação pública. Esse homem existiu. Chamava-se Irineu Evangelista de Sousa, mas você talvez o conheça — ou não — como Barão de Mauá.
Dizem que ele foi o Elon Musk do século XIX. A comparação é justa, se não modesta. Em 1867, seu patrimônio era maior que o orçamento do governo brasileiro. Mais do que um industrial bem-sucedido, Mauá foi um visionário num tempo que não estava preparado para ele. Ele construiu a primeira estrada de ferro do Brasil, quando a maior parte do país ainda andava a pé. Criou a Companhia de Iluminação e Gás, uma semente do que hoje é a Naturgy. Fundou bancos no Brasil, Uruguai, Argentina e Inglaterra, erguendo pontes financeiras onde antes havia apenas mata e lama.
Na Amazônia, lançou uma empresa de navegação para integrar a região antes mesmo de sonharmos com aviação. No Rio de Janeiro, ergueu estaleiros para construir navios a vapor, enquanto o resto do país ainda construía canoas e sonhava com caravelas. Seu impacto não se limitou à economia. O Barão de Mauá acreditava no progresso como um ato de fé. Investiu em educação, incentivou o trabalho livre e ousou pensar num Brasil industrializado e independente. Isso num tempo em que o progresso era visto como ameaça por quem preferia manter o status da monarquia escravocrata.
Ah, e se você acha que o futebol chegou ao Brasil pelas mãos de Charles Miller, talvez deva reconsiderar: há registros que atribuem a Mauá os primeiros passos do esporte no país, quando ele trouxe da Inglaterra uma bola e algumas regras pouco compreendidas por aqui. Mas como quase todo visionário, Mauá pagou caro por estar à frente de seu tempo. Enfrentou a elite imperial, teve seus empreendimentos sufocados por jogos de poder, e viu seu império empresarial ser, aos poucos, desmontado. O próprio Banco do Brasil, que ele fundou, foi estatizado após o governo mudar as regras do jogo.
Ainda assim, seu legado permanece — embora silencioso demais para o tamanho da sua obra.Hoje, nomes como Jeff Bezos, Elon Musk ou Mark Zuckerberg ocupam as manchetes do mundo. O brasileiro mais rico da atualidade, Jorge Paulo Lemann, tem cerca de 7% do patrimônio de Musk. Mauá, em sua época, chegou a 60% da fortuna do homem mais rico do mundo.
E no entanto, ele segue esquecido por muitos. Uma sombra nas páginas de livros didáticos. Um nome que raramente está nas conversas sobre os grandes brasileiros.
Mas o Barão de Mauá existiu. E construiu um país que ainda estamos tentando alcançar.
*Sinomar Calmona é jornalista profissional, advogado e diretor executivo do jornal O Imparcial.